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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Fitoterapia, ou medicação pelas plantas

Fitoterapia, ou medicação pelas plantas, já fora criado, divulgado e transmitido, entre as mais antigas civilizações conhecidas, o hábito de recorrer às virtudes curativas de certos vegetais; pode afirmar-se que se trata de uma das primeiras manifestações do antiquíssimo esforço do homem para compreender e utilizar a Natureza, como réplica a uma das suas mais antigas preocupações: a que é originada pela doença e pelo sofrimento.

É admirável que todas as civilizações, em todos os continentes, tenham desenvolvido, a par da domesticação e da cultura das plantas para fins alimentares, a pesquisa das suas virtudes terapêuticas. Mas é talvez ainda mais admirável que este conjunto de conhecimentos tenha subsistido durante milênios, aprofundando-se e diversificando-se, sem nunca, porém, cair totalmente no esquecimento.

A utilização das propriedades do ópio obtido da dormideira, 4000 anos antes de se conhecer o processo de extração da morfina, é, sob este ponto de vista, bem significativa da perenidade destes conhecimentos, que durante muito tempo permaneceram empíricos e que, desde há alguns séculos, o progresso das ciências modernas tornou mais rigorosos.

Mesmo atualmente, apesar do espectacular desenvolvimento da quimioterapia, a fitoterapia continua a ser muito utilizada, readquirindo até um certo crédito desde que foram divulgadas as conseqüências, por vezes nefastas, do abuso dos compostos químicos.

Para se ter uma visão de conjunto do progresso dos conhecimentos humanos referentes às plantas medicinais, devem distinguir-se três grandes períodos. Durante as Antiguidades Egípcia, Grega e Romana acumulam-se numerosos conhecimentos empíricos que serão transmitidos, especialmente por intermédio dos Árabes, aos herdeiros europeus destas civilizações desaparecidas.

A partir do Renascimento, estes sábios ocidentais aproveitarão utilmente a renovação do espírito científico e o surto das viagens dos Descobrimentos para desenvolver consideravelmente estes conhecimentos adqüiridos e dar início a uma ordenação rigorosa de todos os elementos saídos da experiência do passado.

Finalmente, e sobretudo desde o final do século XVIII, o progresso muito rápido das ciências modernas veio enriquecer e diversificar em proporções extraordinárias os conhecimentos sobre as plantas, os quais atualmente se apoiam em ciências tão variadas como a paleontologia, a geografia, a citologia, a genética, a histologia e a bioquímica.

Em 1873, o egiptólogo alemão Georg Ebers comprou um volumoso rolo de papiro; após ter decifrado a introdução, Ebers foi surpreendido por esta frase: «Aqui começa o livro relativo à preparação dos remédios para todas as partes do corpo humano.» Provou-se que este escrito era o primeiro tratado médico egípcio conhecido. Compunha-se de uma parte relativa ao tratamento das doenças internas e de uma longa e impressionante lista de medicamentos.

Atualmente, pode afirmar-se que, 2000 anos antes do aparecimento dos primeiros médicos gregos, já existia uma medicina egípcia, organizada como conjunto de conhecimentos e de práticas distintas das crenças religiosas. Duas das receitas incluídas no rolo de papiro de Georg Ebers são, efetivamente, consideradas como remontando à 6.ª dinastia, ou seja a cerca de 24 séculos antes do nascimento de Cristo!

Sabe-se hoje que, na época do antigo Império Egípcio, o palácio do faraó mantinha um corpo de médicos, entre os quais se esboçavam já especializações como a odontologia e a oftalmologia. Muito tempo depois, em 450 a. C., Heródoto diria que «no Egipto cada médico só trata de uma doença, pelo que constituem uma legião ...». Aproximadamente na mesma época, o Templo de Edfu desenvolveu uma escola de medicina e mantinha um importante jardim de plantas medicinais.

De entre as plantas mais utilizadas pelos Egípcios, é indispensável citar o zimbro, as coloquíntidas, a romãzeira, a semente do linho, o funcho, o bordo, o cardamomo, os cominhos, o alho, a folha de sene, o lírio e o rícino. Um baixo-relevo proveniente de Akhetaton ostenta uma planta medicinal que posteriormente desempenhou um papel fundamental na farmacopeia da Idade Média: a mandrágora. Os Egípcios conheciam também as propriedades analgésicas da dormideira, utilizada na preparação do «remédio contra as crises anormalmente prolongadas».

Mais notável ainda é o conhecimento progressivamente adquirido das regras de dosagens específicas para cada droga; esta prática ampliou-se ao fabrico e à administração de todos os remédios e pode afirmar-se que nasceu assim a receita médica e a respectiva posologia.

Estes conhecimentos médicos iniciados no antigo Egipto divulgaram-se nomeadamente na Mesopotâmia. Em 1924, o Dr. Reginald Campbell Thompson, do Museu Britânico, conseguiu identificar 250 vegetais, minerais e substâncias diversas cujas virtudes terapêuticas os médicos babilônios haviam utilizado, especialmente a beladona, administrada contra os espasmos, a tosse e a asma; os pergaminhos da Mesopotâmia mencionam o cânhamo indiano, ao qual se reconhecem propriedades analgésicas e que se receita para a bronquite, o reumatismo e a insônia.

Foram sobretudo os Gregos, e mais tarde, por seu intermédio, os Romanos, os herdeiros dos conhecimentos egípcios, desenvolvendo-os até um elevado nível. Aristóteles, espírito universal, estudou história natural e botânica; Hipócrates, freqüentemente considerado «o pai da medicina», reuniu com os seus discípulos a totalidade dos conhecimentos médicos do seu tempo no conjunto de tratados conhecidos pelo nome de Corpus Hippocraticum: para cada enfermidade descreve o remédio vegetal e o tratamento correspondente. Catão, o Antigo, no século II a. C., mencionou no seu tratado De Re Rustica 120 plantas medicinais que cultivava no seu próprio jardim.

No início da era cristã, Dioscórides inventariou no seu tratado De Materia Medica mais de 500 drogas de origem vegetal, mineral ou animal; à semelhança dos seus predecessores, esforçou-se por ter em conta o maravilhoso e separar o racional do irracional. Esta preocupação científica nem sempre foi seguida por Plínio, o Antigo, cuja monumental História Natural contém por vezes descrições de algum modo fantasistas. Finalmente, o grego Galeno, cuja influência foi tão duradoura como a de Hipócrates, ligou o seu nome especialmente ao que ainda se denomina a «escola galênica» ou «farmácia galênica». Efetivamente, distingue-se o emprego das plantas «ao natural», ou seja sob a forma de pós, das «preparações galênicas», em que solventes como o álcool, a água ou o vinagre servem para concentrar os componentes ativos da droga, os quais serão utilizados para preparar ungüentos, emplastros e outras formas galênicas.

O longo período que se seguiu, no Ocidente, à queda do Império Romano, designado universalmente por Idade Média, não foi exatamente uma época caracterizada por rápidos progressos científicos. Os domínios da ciência, da magia e da feitiçaria tendem freqüentemente a confundir-se; drogas como o meimendro-negro, a beladona e a mandrágora serão consideradas como plantas de origem diabólica.

Assim, Joana d'Arc será acusada de ter «atormentado os Ingleses pela força e virtude mágica de uma raiz de mandrágora escondida sob a couraça». Contudo, não é possível acreditar que na Idade Média se perderam completamente os conhecimentos adqüiridos durante os milênios precedentes. Os monges, devido aos seus conhecimentos do latim e do grego, foram os detentores do saber da Antigüidade; grande número de mosteiros vangloriava-se dos seus «jardins dos simples», onde cresciam as plantas utilizadas para o tratamento dos doentes.

Ainda atualmente se conserva a memória de Santa Hildegarda, a «santa curandeira», cujos tratados, conhecidos pelo nome de Physica, além de resumirem os conhecimentos antigos, trazem à luz, pela primeira vez, as virtudes de algumas plantas como a pilosela ou a arnica. No entanto, a medicina da Idade Média foi sobretudo dominada pela Escola de Salerno; os eruditos que ali trabalhavam deram a conhecer, por intermédio de sábios (Avicena, Avenzoar e Ibn-el-Beithar) e dos textos árabes, grande número de obras da medicina grega. Rogério de Salerno, no início do século XII, contribuiu para os consideráveis progressos da medicina do seu tempo.

Foi, no entanto, o Renascimento, com a valorização da experimentação e da observação direta, com o surto das grandes viagens para as Índias e a América, que deu origem a um novo período de progresso no conhecimento das plantas e das suas virtudes. No início do século XVI, o médico suíço Paracelso tentou descobrir a «alma», a «quinta-essência» dos vegetais, de onde irradiam as suas virtudes terapêuticas. Não dispondo, evidentemente, dos meios de análise que mais tarde seriam oferecidos pela técnica moderna, tenta aproximar as virtudes das plantas das suas propriedades morfológicas, da sua forma e cor: é a chamada «teoria dos sinais».

O italiano Pier Andrea Mattioli, seu contemporâneo, comenta a obra de Dioscórides e descobre as propriedades do castanheiro-da-índia e da salsaparrilha-da-europa e descreve 100 novas espécies. Surgem os jardins botânicos: em 1544, Luca Ghini, professor em Bolonha, funda o de Pisa; em 1590, Veneza confia a Cortuso o de Pádua. Olivier de Serres reforma a agricultura francesa no reinado de Henrique IV, criando também, na sua propriedade de Pradel, em Vivarais, um admirável jardim de plantas medicinais, imitado algum tempo depois por Luís XIII, que funda em Paris o Jardim do Rei, predecessor do atual Museu Nacional de História Natural. É também nesta época que têm cátedra em Montpellier todos os grandes botânicos: Mathias de Lobel, Guillaume Rondelet, Charles de l'Écluse, Jean e Gaspard Bauhin, os quais impulsionam os grandes progressos da classificação sistemática dos vegetais, que se tornou cada vez mais indispensável pelo enorme conjunto de conhecimentos adquiridos.

O desenvolvimento das rotas marítimas, abertas a partir do final do século XV, coloca efectivamente a Europa no centro do Mundo; os produtos dos países longínquos abundam e, de entre eles, as plantas até aí desconhecidas, com virtudes por vezes surpreendentes; os conquistadores suportaram eles próprios a experiência das propriedades mortais do curare; a casca de quina é utilizada para fazer baixar a temperatura nas febres palúdicas muito antes de se ter conhecimento de como dela extrair a quinina; a América dá ainda a conhecer as virtudes anestésicas e estimulantes da folha de coca. No encalce dos descobridores prosseguem os exploradores, missionários como o padre Plumier, botânicos como Tournefort, que, em 1792, regressa do Oriente com 1356 plantas então desconhecidas na Europa.

Finalmente, os esforços de classificação culminam em 1735 com a publicação do Systema Naturae, de Lineu. O grande naturalista sueco adota como princípio de distinção e classificação a distribuição dos órgãos sexuais nas flores e as características dos órgãos masculinos, os estames. Para ele, os dois grandes ramos em que se divide o reino vegetal são o das Criptogâmicas, em que os estames e o pistilo são invisíveis a olho nu, e o das Fanerogâmicas, em que estes são visíveis. Dentro destas últimas, por sua vez, estabelecem-se 23 classes, segundo critérios morfológicos. Depois de Lineu, os trabalhos dos irmãos Jussieu, Joseph, Antoine e Bernard, bem como os do seu sobrinho, Antoine Laurent de Jussieu, desenvolveram ulteriormente a botânica descritiva e contribuíram para o aperfeiçoamento da classificação sistemática, sem terem esgotado todas as suas possibilidades.

Se se fizer uma retrospectiva do caminho percorrido desde as primeiras receitas conhecidas da época da 6.ª dinastia egípcia, verificar-se-á que foi uma longa caminhada; contudo, comprovar-se-á que ela sempre se desenvolveu na mesma direção, sem mudanças radicais. O catálogo das plantas medicinais enriqueceu-se, a descrição das características dos simples e a indicação das suas utilizações foram aprofundadas, a classificação das suas espécies foi feita com base científica. Todavia, nessa época continuam a desconhecer-se as leis da sua evolução e, o que é mais importante ainda, a sua estrutura íntima e os princípios que as fazem atuar no tratamento das doenças: sabe-se que têm determinados efeitos e pouco mais.

Esta revolução radical - o aprofundamento dos conhecimentos - vai realizar-se nos dois últimos séculos. O estabelecimento das grandes classificações, pondo em relevo as semelhanças que existem entre as várias espécies, apenas separadas por uma característica distinta, sugeria a idéia de uma evolução.

A paleontologia vegetal, ou estudo das floras antigas mercê dos restos fósseis, contribuiu, no início do século XIX, para numerosos conhecimentos de apoio a esta tese, conduzidos, nomeadamente, por Adolphe Brongniart. No final do século XIX, Gustave Thuret observava o processo da fecundação numa alga, a bodelha. Pouco tempo antes, ao fazer observações na ervilheira, o monge Mendel descobrira as leis das transmissões e das mutações hereditárias; os seus trabalhos foram esquecidos, e as leis que têm o seu nome voltaram a ser descobertas no início do século XX: nascera a genética. Todas estas matérias esboçavam uma história do reino vegetal e das suas espécies, enquanto Alphonse de Candolle e Henri Lecoq lançavam as bases de uma geografia dos vegetais, ou fitogeografia.

A utilização de microscópios desde meados do século XVII proporcionava um melhor conhecimento da complexa estrutura dos vegetais. Porém, os seus progressos, desencadeando um aprofundamento das observações, vão possibilitar, no início do século XIX, a determinação da noção de célula, o elemento fundamental de todos os tecidos, animais ou vegetais; são os primórdios da histologia, ou ciência dos tecidos. A partir de 1800, Lamarck passou a usar uma palavra nova - biologia -, aplicando-a ao estudo dos processos vitais dos reinos animal e vegetal. Nomeadamente os progressos da química, e em especial os da química da matéria viva, ou bioquímica, iriam possibilitar a identificação e isolamento dos componentes ativos das plantas medicinais. Redescobrem-se a dormideira dos Egípcios e a quina dos Incas, mas conhecendo-se agora o segredo da sua ação sobre o corpo humano.

Assim, no começo do século XIX, o químico alemão Sertürner isola a morfina do ópio extraído da dormideira; em 1817, os farmacêuticos Pierre Joseph Pelletier e Joseph Bienaimé Caventou extraem a emetina da raiz da ipeca; em 1818, a estricnina da noz-vómica, e, finalmente, em 1820, a quinina da quina. A partir de então, aprende-se a reconhecer as virtudes terapêuticas de uma planta em função dos compostos químicos que contém, e não das semelhanças que Paracelso julgara ter notado.

Muitos destes compostos podem atualmente ser reproduzidos artificialmente por síntese. Quererá isto dizer que as plantas, ao perderem o seu mistério, perderam também a sua utilidade? Será crível que os esforços do Dr. Cazin, no século XIX, ou do Dr. Leclerc, no século XX, para defender e tornar célebre a fitoterapia, estão condenados ao malogro? Assim não será, por diversos motivos.

Por um lado, determinados compostos químicos descobertos nas plantas e utilizados em medicina não podem, por vezes, ser reproduzidos por síntese; por outro, alguns produtos de síntese só podem ser obtidos por meio de «precursores» vegetais. Assim, por exemplo, as plantas exóticas como o sisal e o inhame fornecem a matéria-prima básica indispensável para fabricar depois, por semi-síntese, algumas hormonas como a cortisona e os seus derivados.

Finalmente, a droga vegetal é um produto vivo, de onde se deve concluir que esta "terapêutica suave" é mais bem tolerada pelo organismo do que as substâncias inteiramente sintéticas. A medicina pelas plantas: um longo percurso que não está ainda próximo do fim ...«Seleções do Reader's Digest»

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